Produção Científica - Artigos e Capítulos
Corpo e corporeidade: uma leitura fenomenológica
Corpo e corporeidade: uma leitura fenomenológica
Rosane Lorena Granzotto
I
Já é lugar comum para todos nós a afirmação de que, em Gestalt Terapia, importa o que se exprime no corpo de nossos clientes. O que seria uma apresentação feliz de nossa compreensão da experiência clínica, não fosse a complexidade do que se vela nessa noção, sobre a qual estamos aqui reunidos para debater: o corpo. Frederick Perls bem sabia o quão difícil era fazer caber, no domínio de nossas teorias, essa vivência de todos os dias, que é a expressividade corporal do outro e de nós mesmos. Nesse sentido, ele não se iludia quanto à capacidade da ciência para esclarecer essa vivência. Definições processuais, como a encontrada na teoria organísmica de Kurt Goldstein dizem bem em que sentido nosso corpo é um sistema simultaneamente físico e social, mas também pessoal. Ainda assim, Goldstein não chega a esclarecer o que caracteriza a pessoalidade de nosso corpo, ou em que medida nossa pessoalidade pode ser descrita como uma sorte de corporeidade. Razão pela qual, mais do que a teoria organísmica, é a fenomenologia – especificamente aquela desenvolvida nos textos tardios de Edmund Husserl e seus interlocutores – quem delimita o sentido propriamente corporal disso que chamamos nossa pessoalidade. Corpo, conforme a fenomenologia, é aquilo que é próprio, aquilo que implica pertencimento, conforme está indicado no pronome reflexivo “selbst” (em alemão) ou “self” (em inglês). E o pertencimento, a sua vez, não é senão tudo aquilo que eu posso circunscrever como domínio de possibilidades: possibilidades sensoriais, motoras, indicativas, reflexivas... De onde se segue o caráter eminentemente temporal da corporeidade. Afinal, o possível é sempre um futuro que se apresenta ao presente desde o passado. O que talvez justifique o fato de Frederick Perls descrever o corpo não como algo fechado em si, mas como um sistema de possibilidades de contato no presente transiente, ao qual denominou justamente de self e cujo sentido é temporal.
Nesta apresentação vou me ocupar de caracterizar, em primeiro lugar, o modo como Edmund Husserl alcança a noção de corpo como “domínio da pertença” ou, o que é a mesma coisa, domínio do “eu posso”. Em segundo lugar, quero mostrar em que sentido esse domínio é temporal para, então, em terceiro lugar, refletir sobre o modo como a teoria do self da Gestalt Terapia encampa essa compreensão fenomenológica da corporeidade.
II
Em um curso intitulado “O conceito de natureza”, ministrado entre 1956-7 no Collège de France, Merleau-Ponty refere-se à filosofia de Husserl, identificando nela duas tendências complementares. Por um lado, Husserl tem em vista superar o naturalismo da atitude natural, por cujo meio somos levados a admitir, como a verdade última acerca de nossa fé perceptiva em nós mesmos e no mundo, a vigência de uma natureza determinada como “pura coisa” ou “coisa em si”, independentemente da experiência que dela possamos ter. Contra essa atitude, Husserl quer resgatar o primado de nossa experiência intencional, sem a qual nada poderia adquirir o status de uma coisa determinada, objetiva. Mas, em segundo lugar, Husserl quer salvaguardar aquilo que há de legítimo na atitude natural, precisamente, a fé perceptiva em que há um mundo e que nós somos alguém nesse mundo. Ora, se o primeiro objetivo nos leva ao idealismo husserliano – e que consiste na afirmação de que toda a existência dotada de valor objetivo é uma construção intencional de nossos atos conscientes -, o segundo objetivo nos leva a crítica desse idealismo em proveito daquilo que o torna possível, a saber, a corporeidade das subjetividades intencionais. Ainda que nosso interesse seja discorrer sobre o que seja essa corporeidade, não podemos falar dela sem antes esclarecer o idealismo husserliano. O que passo a fazer nesse momento.
De um modo geral, as pessoas confundem o que é o idealismo husserliano. Acontece que Husserl emprega esse termo num sentido estritamente metodológico, sem qualquer pretensão ontológica. Idealidade não tem a ver com a existência – não importa se concreta ou abstrata - das coisas, mas com o modo como essas coisas podem ser representadas. Eis por que a fenomenologia devia ser, depois de 1913, um idealismo transcendental, pois transcendental é a palavra que designa exatamente esse método de investigação que não se interessa pelas coisas, mas pelo modo como as podemos conhecer.
Mas por que Husserl se propõe uma investigação transcendental de nossa atitude natural frente ao mundo e a nós mesmos? Justamente porque, nos termos dessa atitude, ocupamo-nos de definir o mundo e a nós mesmos, sem entretanto compreender como nós o fazemos. Ao contrário, criamos definições e acreditamos nelas, como se elas valessem por si. Aliás, “valer por si” ou “ser em si” é nossa definição predileta. Acreditamos que o mundo é um aglomerado de coisas que valem por si desde que nascem, assim como nós já nascemos corpos individuais, ocorrências materiais que trazem em si mesmas aquilo que as define, por exemplo, um código genético, um temperamento, etc... Todavia, não nos ocupamos de questionar o que nos permite acreditar nessas definições. Afinal, as tais coisas que julgamos definidas em si não aparecem, em nosso primeiro contato com elas, assim tão definidas. Nem nós mesmos nos experimentamos como seres tão definidos.
Mas o fato é que dispomos de definições já formuladas por nossos antepassados, e a utilização dessas definições nos faculta uma relação freqüentemente bem sucedida com o que surge em nossa experiência. Husserl não é contra a produção e utilização de definições. Muito pelo contrário, ele quer apenas mostrar como isso é possível. Para tal, precisamos pôr em suspenso não o mundo e nós mesmos, mas as definições que atribuímos a eles, para podermos, então, investigar ou, como prefere Husserl, descrever a origem e o funcionamento dessas definições. Dessa forma, podemos esclarecer, por exemplo, a relação existente entre a definição do corpo como sistema neurofisiológico geneticamente determinado e a experiência que nós temos desse corpo. Eis aqui o início da fenomenologia: ela começa com a suspensão das nossas teses em proveito da investigação do modo como elas funcionam. Tecnicamente falando, tal suspensão corresponde à primeira etapa da redução fenomenológica.
Ora, vocês vão me perguntar, o que a investigação fenomenológico-transcendental vem esclarecer relativamente ao modo como representamos a nós mesmos e ao mundo? Se nos ocuparmos de descrever as definições tais como elas nos ocorrem, sem dificuldade haveremos de perceber que, em situações inéditas, vividas pela primeira vez (como a paixão, que sempre é vivida pela primeira vez), não são suficientes as palavras já empregadas por outrem. Ainda que não tenhamos alternativa senão servirmo-nos delas, elas não significam o que de inédito estejamos vivendo, a menos que introduzamos pequenas modificações, que as personalizem. Mas, de onde vêm essas modificações, essas personalizações? O que são elas em relação às falas já faladas, aos pensamentos já formulados, às definições de que dispomos? Fiel a seu professor Franz Brentano, Husserl vai dizer que essas modificações por nós introduzidas não são senão vivências intuitivas – a que Brentano justamente denominava de vivências intencionais -, na forma das quais experimentamos uma unidade pré-significativa, uma vivência de totalidade, cujas partes são por nós ignoradas. Trata-se de intuições fenomênicas, por cujo meio compreendemos, em um certo instante de nossa vida, algo que ultrapassa esse instante e vai se ligar a outras partes, a outros momentos, muito embora não possamos dizer quais são. Esse é o caso de nossos sentimentos – melhor exemplo para esclarecer o que são nossas intuições fenomênicas. Os sentimentos são vividos em um instante específico, mas nos remontam a outros momentos que, junto àquele, ganham nova vida. E é a partir dessas intuições, enfim, que as palavras que aprendemos de alguém surgem em nossa boca como aquilo que nós mesmos ignorávamos antes de fala-las. É a partir dessas intuições, enfim, que acrescentamos algo ao mundo da cultura, mas também ao repertório de nossas ações concretas junto à natureza. Percebamos aqui que, em sua descrição transcendental do modo como conhecemos a nós mesmos e ao mundo, Husserl começa admitindo a existência de um saber que se ignora, mas sem o qual todos os nossos atos se resumiriam a uma repetição.
Aliás, os atos de que fala Husserl não dizem respeito apenas a nossa capacidade para indicar, por meio de um gesto, algo que esse gesto não é, o que justamente caracteriza esse processo que denominamos de linguagem. Os atos dizem respeito a toda e qualquer transformação que possamos operar em nós mesmos e no meio; muito embora somente os atos indicativos (ou de linguagem) possam estabelecer modificações permanentes e evidentes em si mesmas, que são as nossas definições ou pensamentos. Por essa razão, acredita Husserl, é somente quando nossas intuições fenomênicas ganham, por meio de atos indicativos, a forma de pensamentos, que elas deixam de ser “compreensões indeterminadas sobre a unidade de nossa vida a cada nova experiência”, para se transformar em verdadeiras “coisas”, verdadeiros “ob-jetos”. Esclarece-se aqui, enfim, o modo ou processo pelo qual as coisas determinadas, objetivas, surgem em nossas vidas. A determinação não é um atributo das coisas em si – como supunha o homem natural-, mas do modo como nós as produzimos por nossos atos a partir de nossas compreensões intuitivas. O que nos permite entender, ademais, em que sentido a fenomenologia é, simultaneamente, uma crítica à noção de coisa em si e uma proposta de retorno às próprias coisas (zu den sachen selbst, no dizer de Husserl). Afinal, as coisas a que a fenomenologia quer voltar não são as coisas aquém de nossa experiência, mas, sim, as coisas intencionadas que nós produzimos a partir da experiência, a partir de nossas intuições.
Ora, para Husserl, junto a essas coisas intencionadas, deveríamos poder reconhecer algo que nos é próprio, algo que tem a ver com nossas intuições e nossos atos. Husserl chama esse reconhecimento de intuição essencial. Reconhecer, nas coisas intencionadas, algo que nos é próprio é reconhecer uma essência. Nesse sentido, alcançar a essência de uma variedade de flores chamadas ‘rosas’ é compreender aquilo que de invariável permanece na “minha experiência” dessas flores. Da mesma forma, atingir a essência de mim mesmo é compreender o que de invariável há na “experiência que tenho” disso que representei como eu mesmo, a saber, minha personalidade psicofísica.
Mas, eis que surge a questão: como posso reconhecer, nas coisas intencionadas, produzidas por meus atos, algo próprio? O que há de comum entre minhas intuições, meus atos e as coisas que ambos constituem? O que é essa essencialidade que reconheço como o que me é próprio nas coisas?
Ora, nesse ponto Husserl sente a necessidade de operar uma segunda redução fenomenológica – que ele chamou de redução transcendental. Afinal, não obstante a primeira redução (chamada redução eidética ou redução às essências) esclarecer que as coisas têm a ver com algo que nos é próprio, tal não elucidou o que é essa pertença. A segunda redução, por sua vez, esclareceria a vivência da pertença. E, fazendo isso, a fenomenologia resgataria aquilo que há de verdadeiro na atitude natural, precisamente, a prévia admissão do mundo e de si mesmo, o reconhecimento tácito de que o mundo, seja lá o que ele for, é acessível, é próprio a nossa experiência.
III
Mas o que é, então, essa pertença, que o homem natural já vivia – muito embora a velasse com suas definições -, e à qual a primeira etapa da redução nos reconduziu? Para responder essa questão, Husserl radicalizou o procedimento de redução das definições com as quais nós nos representamos a experiência. Tal radicalização implicou que não somente as definições herdadas, mas também as definições produzidas pelo discurso fenomenológico deveriam ser suspensas. Essa é a condição sem a qual a experiência da pertença continuaria dependente de uma prévia definição. E foi ao fazer isso que Husserl deu-se por conta de um irredutível, do qual não podia declinar. Trata-se do uso do pronome possessivo. Para se descrever a experiência de reconhecimento do que nos é próprio, Husserl precisava continuar usando o “meu”, o “nosso”. O que não implicava que devesse admitir a tese de que existamos aquém ou além da experiência. No contexto de reconhecimento do que nos é próprio, não empregamos o possessivo para caracterizar a ação de um sujeito (voz ativa), ou a ação por ele sofrida (voz passiva). Se tal possessivo, em algum sentido, implica um certo sujeito, trata-se daquele sujeito que se constrói simultaneamente com sua ação (tal como acontece nas orações em voz média). Assim compreendido, enfim, o possessivo não tem a ver com o sujeito que existe, nem com o que permanece. Apenas com aquilo que possivelmente venha a existir. Trata-se, nesse sentido, da caracterização daquilo que “posso” sentir, fazer, dizer... De onde Husserl concluiu que não é no campo da existência, mas no campo das possibilidades que eu encontro a forma mais elementar da pertença, da vivência daquilo que é próprio.
Todavia, o que é esse campo, como eu o vivo? Para descrever o domínio do possível, Husserl lança mão de uma formulação que o aproximaria de Heidegger, precisamente, a noção de “saber” mundano, de logos estético, tal como aquele que me permite saber – sem necessidade de cálculo - quanto devo me abaixar para meu cabelo não enroscar na copa da árvore a minha frente, ou quando preciso começar a pisar no freio para que meu carro não ultrapasse o semáforo fechado. Esse logos estético não é diferente daquilo que, muito antes de Heidegger, Husserl já havia reconhecido para nossas intuições fenomênicas, a saber, que elas são uma sorte de temporalidade primitiva, em que não só minhas vivências se conservariam modificadas como pano de fundo para novas vivências, como também viabilizariam a expressão de uma unidade de transcendência, de movimento, que não se realiza num interior, mas na passagem, na fronteira dinâmica daquilo que surge como matéria atual e o que retorna como horizonte de passado e futuro. Mas, agora, depois das reduções, Husserl sabe que essa temporalidade não é um atributo de alguém ou de uma coisa, não é a intuição fenomênica de uma certa pessoa, mas a construção estética, sensível de minha pessoa enquanto unidade de possibilidades que se abrem em torno de uma certa matéria. O logos estético é essa construção, é a experimentação ou awareness de mim como unidade que se constrói historicamente.
Pois bem, Husserl vai justamente chamar de corpo carnal esse campo de possibilidades que se arma em minha experiência de reconhecimento do próprio nas coisas. Corpo carnal não é, nesse sentido, uma determinada coisa, como por exemplo, um microfone ou a imagem que eu tenho de mim mesmo enquanto uma personalidade psicofísica; mas sim as possibilidades que se abrem diante dessas coisas e que me permitem ultrapassa-las em direção ao inédito. Corpo carnal tem a ver com a capacidade que tenho para reunir, num só ato, uma matéria atual e outra inatual, por exemplo, a sede que agora sinto e a esperança de encontrar água fresca. Mais do que isso, o corpo carnal é principalmente a vivência da unidade espontânea entre o que faço e sinto e aquilo desde onde e para onde minha sensibilidade e minha ação me encaminham. Essa unidade não é algo que demande uma deliberação de minhas funções corticais superiores, uma consciência representacional ou lingüística. Ela é a co-presença espontânea daquilo de que me apropriei – a saber, o mundo e os outros, os quais agora restam para mim como memória, matéria modificada ou retida – em proveito do que se apresenta em minha atualidade material. Trata-se de uma sorte de generalidade carnal, que não é diferente daquela emoção, que antes chamei de paixão, e que não obstante ser sentida num pedaço de carne que é a minha matéria atual, denuncia a presença de quem não é essa matéria, mas ainda assim está co-presente nela, a saber, o meu amado, o meu amante. E eis em que sentido, conforme a formulação de Husserl, enquanto corpos carnais somos uma subjetividade intersubjetiva, assim como o tempo é um presente entrecortado de passado e futuro.
IV
Ora, a Gestalt Terapia, de muitas maneiras, sempre se disse fenomenológica. Mas, talvez, aquela em que essa filiação tivesse ficado mais evidente, podemos encontra-la nas passagens escritas que tratam da awareness. Nas palavras de Perls (1969: 88), “(e)u fiz da awareness o ponto central da minha abordagem, reconhecendo que a fenomenologia é o passo básico e indispensável no sentido de sabermos tudo o que é possível saber”. Mas, qual a relação entre a awareness e a fenomenologia? Não obstante a raridade das passagens em que Perls se ocupa de definir o que é awareness, em vários lugares, ele e seus colaboradores dizem que a awareness não é uma reflexão sobre um problema, mas a “integração criativa do problema” (1951: 46) em benefício da “sensação de nós mesmos” (1949: 264). Trata-se de uma forma de apercepção sensório-motora em que nos experimentamos “um” sem o consórcio da consciência reflexiva. Ora, assim entendida, a awareness não é diferente da noção fenomenológica de corpo carnal. Ambas designam a experiência de nós mesmos como unidade das possibilidades que, desde o passado, armam-se em torno daquilo que se apresenta como materialidade no agora. Ambas tratam de uma subjetividade que se forma no tempo e de um tempo que, por se experimentar como unidade em transição junto à matéria, não é sucessão, mas pertença ou, como prefere Perls, self. Aliás, se levarmos em conta a definição que Perls nos oferece do que seja o self, logo perceberemos que tal não designa um corpo individual, mas a fronteira em que o mundo e os outros, uma vez experimentados, podem retornar enquanto potencialidade apropriada àquilo, junto a que, eu vivo a unidade da minha sensorialidade e de minha ação. O self mais não é que o sistema por cujo meio me torno aware, assim como o ego fenomenológico é o sistema na forma da qual vivo o que é próprio, o que pertence, numa palavra, corpo carnal.
Ora, alguém poderia lembrar, Perls recorre insistentemente à noção de organismo de Goldstein. Nesse sentido, não seria ela uma melhor apresentação do que se deve entender por corpo na Gestalt Terapia? Todavia, se olharmos no detalhe o emprego de tal noção, logo compreenderemos que organismo não designa uma certa unidade objetiva que se deslinda do resto do mundo. Esse organismo é o organismo da fisiologia. Todavia, o que interessa a Perls e cols. “é o organismo-como-um-todo em contato com o ambiente” (1951: 180). Trata-se de um organismo investido de uma “awareness”, de um sentido de unidade em sua integração com o meio ambiente. Por isso, em última instância, continua sendo a awareness o elemento que define, precisamente, o foco principal da Gestalt Terapia. E a awareness, como se viu, é a vivência temporal de uma unidade que se refaz a cada contato. A awareness, nesse sentido, é corpo carnal.
Ora, é tendo em vista essa noção fenomenológica de corpo que, na clínica da Gestalt Terapia, nosso olhar e nossa escuta não se dirigem para as imagens intelectuais que o cliente faz de si e do mundo. Tampouco para as imagens que nós mesmos, psicoterapeutas, aprendemos estudando anatomia, neurologia, fisiologia e outras coisas mais. A clínica da Gestalt Terapia se interessa pelo corpo vivido, que é esse excesso que se exprime para além das palavras e dos músculos. Para usar um termo técnico, o corpo para o qual nos dirigimos é a awareness do cliente, a qual não tem nada a ver com representação objetiva que ele possa fazer de si mesmo, mas, sim, com a forma global e espontânea, segundo a qual, em uma certa região de matéria, que pode incluir o terapeuta e as coisas do consultório, o cliente se experimenta como a unidade de um continuum em transição. E eis por que razão, dizem Perls e cols., para a Gestalt Terapia importa “não tanto o que está sendo experienciado, relembrado, feito, dito, etc., mas a maneira como o que está sendo relembrado é relembrado, ou como o que é dito é dito (...). Trabalhando a unidade e a desunidade dessa estrutura da experiência aqui e agora – [que é a awareness ou o corpo carnal], é possível refazer as relações dinâmicas da figura e fundo até que o contato se intensifique” (1951: 46).