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Verbete Configuração no Gestaltês - Gestalt-terapia

O termo ‘configuração’ significa, para a Gestalt-terapia, uma das possíveis formas de tradução do substantivo alemão ‘gestalt’. Conforme Perls, Hefferline e Goodman: “(c)onfiguração, estrutura, tema, relação estrutural (Korzybski) ou todo organizado e significativo são termos que se assemelham mais de perto à palavra alemã, para a qual não há uma tradução equivalente em inglês [tampouco em português]” (1951, p. 34-35). Ou, então, segundo Perls (1973, p. 19): “(u)ma gestalt é uma forma, uma configuração, o modo particular de organização das partes individuais que entram em sua composição”.
O termo ‘configuração’, tal como ele é empregado na língua portuguesa, favorece a descrição dos aspectos dinâmicos envolvidos na formação de uma gestalt. Trata-se de um modo de nominar o processo de formação de uma totalidade, à qual não é resultante do somatório das partes envolvidas, tampouco é algo apartado dessas partes, como se delas independesse. Ao contrário, quando falamos em configuração temos em vista uma totalidade tal como nosso organismo: este não é o resultado da soma dos órgãos de que somos formados, tampouco é um desses órgãos. Trata-se de uma unidade que se exprime entre nossos órgãos, que não existe sem eles, mas não é um deles. Nosso organismo é a própria relação dos órgãos entre si, a prévia disponibilidade de um para o outro, o sistema espontâneo de equivalência que estabelecem entre si. Ou, ainda, o organismo é a fronteira viva entre esses órgãos, aquilo que os faz trocar informações físicas e vitais. O que nos permite entender a configuração como uma espécie de fronteira viva.
Ora, entendido como fronteira viva, a configuração não se limita a designar nosso organismo. A configuração – como fronteira viva - também existe entre os organismos, entre eles e as coisas inanimadas, entre eles e as instituições culturais. O que nos permite falar das configurações como totalidades impessoais e genéricas, das quais participamos em diversos níveis: físico, biológico, vital, social... Nesse sentido, dizem Perls, Hefferline e Goodman:
A experiência se dá na fronteira entre o organismo e seu ambiente, primordialmente a superfície da pele e os outros órgãos de resposta sensorial e motora. A experiência é função dessa fronteira, e psicologicamente o que é real são as configurações “inteiras” (whole) desse funcionar, com a obtenção de algum significado e a conclusão de alguma ação (1951, p. 41)

Essa forma de empregar a noção de configuração lembra a teoria fenomenológica do todo autêntico; a qual foi apresentada por Husserl na terceira das Investigações Lógicas (1900-1901) e retomada na obra Idéias (1913), a qual serviu de modelo para Goodman estabelecer a redação da teoria do self, na terceira parte do segundo volume da obra Gestalt Therapy (1951), conforme declaração do próprio Goodman (GOODMAN apud STOEHR, 1994). Segundo Husserl, um todo autêntico é aquele cujas partes ou conteúdos estão relacionados de modo dependente, o que significa dizer: a modificação de uma parte acarreta a modificação das outras. No caso de uma totalidade acústica, por exemplo, se mudo a qualidade do som, simultaneamente altero sua intensidade e, assim, sucessivamente, de modo que passo a dispor de uma nova unidade sonora. Para Husserl, as gestalten ou configurações são totalidades autênticas, em que se pode observar, nos termos de uma relação de dependência entre as partes envolvidas, a vigência de uma intencionalidade comunitária, sem porta-voz específico, mas partilhada por todos os envolvidos, tal qual uma fronteira viva.
Os psicólogos da Forma tomaram para si a teoria fenomenológica do todo autêntico e com ela tentaram pensar fenômenos naturais, como a percepção. Segundo eles, as discussões fenomenológicas permitem compreender que é a organização dos fatos, percepções e comportamentos e não os aspectos individuais de que são compostos que dá aos todos sua definição ou significação específica e particular (PERLS, 1973, p. 18). Também chamaram a essa organização espontânea de gestalt ou configuração. Diferentemente da fenomenologia, entretanto, os psicólogos da Forma tomaram às gestalten como se elas pudessem ser traduzidas em termos objetivos, como se elas pudessem ser reduzidas a leis ou regularidades fenomênicas, desprezando o que nelas pudesse haver de intencional. É como se cada gestalt ou configuração exprimisse uma combinatória de partes que valesse como lei universal - e não como se houvesse entre as partes envolvidas uma intencionalidade comum. Os fundadores da Gestalt-terapia criticaram essa tentativa de objetivação estabelecida pelos psicólogos da Forma. A partir destes, Perls, Hefferline e Goodman tentaram estabelecer um retorno ao emprego fenomenológico do termo configuração (gestalt); o que significa restituir o caráter intencional que define a maneira como as partes de uma gestalt estão ligadas entre si. O que talvez explique por que razão, na prática clínica da Gestalt-terapia, por exemplo, importa salientar que as sessões terapêuticas, os trabalhos de acompanhamento terapêutico e os workshops – dentre outras modalidades de intervenção - são menos repetições estruturadas a partir do passado e mais ajustamentos “criados” no aqui/agora da sessão. A criação é o ingrediente intencional a partir do qual as partes envolvidas, venham elas ou não do passado, assumem uma configuração única, formando uma totalidade autêntica - whole, na terminologia de Perls, Hefferline e Goodman (1951, p. 41).

AUTORES: MÜLLUR, M.J.; GRANZOTTO, R.L.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

HUSSERL, E. 1900-1. Investigaciones Lógicas. Trad. Jose Gaos, 2.ed. Madrid: Alianza, [s.d.],V. II
______. 1913. Ideas relativas a una fenomenologia pura e una filosofia fenomenológica I. Trad. José Gaos. 3 ed. México D. F.: Fondo de Cultura Economica, 1986.
PERLS, F.; HEFFERLINE, R; GOODMAN, P. 1951. Gestalt Terapia.Trad.Fernando Rosa Ribeiro. São Paulo: Summus, 1997.
STOEHR, T. 1994. Aquí, ahora y lo que viene: Paul Goodman y la psicoterapia Gestalt en tiempos de crisis mundial. Trad. Renato Valenzuela. Santiago: CuatroVientos, 1997.